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O Direito é cultura, produto da história. Como tal, modifica-se e adapta-se no interior de cada sociedade. Neste sentido, a lei no 13.105/2015 (Novo Código de Processo Civil) entra em vigor no Brasil em 17 de março de 2016, trazendo consigo uma série de mudanças. Uma delas é a inserção da mediação no âmbito do processo civil, como estímulo para que as partes resolvam amigavelmente seus litígios.
O artigo 334 do novo CPC determina que o juiz, ao aceitar a petição inicial do autor, deverá designar audiência de conciliação ou de mediação, a qual não se realizará somente caso ambas as partes (autor e réu) manifestarem, expressamente, o desinteresse na composição amigável, ou quando o caso não admitir autocomposição. Apenas após frustradas as tentativas de acordo o réu poderá apresentar contestação, com as teses de sua defesa processual.
Todavia, quer-nos parecer que para o sucesso desta medida é necessário mais do que uma alteração legislativa. É preciso uma mudança cultural. Basta ver que há bastante tempo as audiências de conciliação já estão inseridas na estrutura do Poder Judiciário, e parece terem sido reduzidas a mera etapa formal.
Os advogados brasileiros são historicamente treinados somente para o processo. Os objetivos das partes no curso do processo são diametralmente opostos: ao autor interessa tão somente uma sentença de procedência, enquanto ao réu nada interessa além da sentença de improcedência. Bem, pelo menos é isto que interessa aos advogados das partes. Não teriam autor e réu interesses em bens da vida? Seria a sentença judicial a única forma de alcançá-los?
Ocorre que pouquíssimas escolas nacionais de Direito prestigiam em seus currículos disciplinas voltadas às técnicas consensuais de solução de conflitos. Salvo raras exceções, e por mais surpreendente que possa parecer, os advogados brasileiros não são treinados para negociar. Portanto, é natural que defendam os interesses de seus clientes somente através de técnicas processuais. Importante ressaltar que muitas vezes o processo será realmente a única forma de resolver o conflito, motivo pelo qual não é objetivo deste texto diminuir a importância do processo civil.
Ao resolverem consensualmente seus conflitos, as partes têm um envolvimento muito maior com a tomada de decisão. Ao invés de colocarem a decisão do litígio nas mãos de um terceiro (juiz), que tomará uma decisão vinculante entre as partes, resultando num vencedor e num perdedor, elas mesmas assumem a tarefa de resolver o conflito, podendo chegar a uma composição em que ambas saiam vencedoras.
Uma composição amigável do conflito reduz consideravelmente os custos, os quais não se restringem apenas às taxas pagas à administração da justiça, mas repercutem decisivamente no tempo de duração do processo. Até que o último julgador da última instância decida quem tem direito ao quê, bastante tempo se passa. E o tempo é fator fundamental em qualquer análise acerca dos custos do processo.
Além disso, um acordo reduz as incertezas com relação ao resultado do processo. A falta de previsibilidade das decisões judiciais torna bastante difícil uma análise efetiva e aritmética a respeito das chances de se vencer um processo. Por outro lado, ao serem submetidas a um procedimento de mediação eficaz, conduzido por profissional capacitado, e estando orientadas por advogados conhecedores de técnicas de negociação, as partes tem oportunidade de sopesar (e negociar) desde o princípio o custo-benefício de um acordo.
Finalmente, o risco de se trazer o procedimento de mediação para dentro do processo civil, num cenário cultural como o brasileiro, é a utilização do aparelhamento estatal, com toda a sua burocracia, para a condução da mediação. Ademais, não é aconselhável que o juiz conduza o procedimento de mediação, pois se trata de profissional formado nas mesmas faculdades acima referidas, ou seja, profundo conhecedor do processo, e pouco conhecedor de técnicas de solução consensual de conflitos, salvo raras exceções. Compreender os verdadeiros interesses das partes litigantes e auxiliá-las a chegar a um acordo é tarefa que exige outra formação, no caso, de mediador.
Portanto, para que a mediação judicial alcance os objetivos a que se propõe, é necessária uma mudança cultural, que passe a valorizar técnicas de solução consensual de litígios desde os bancos escolares. É certo que não será possível chegar a uma solução consensual em todos os casos. E, como já referido, nem se pretende aqui diminuir a importância do processo civil. De qualquer maneira, acordos podem reduzir o número de processos nos tribunais, resolvendo conflitos em menos tempo e com menos custos.
Por Henrique de David, especialista em Direito dos Contratos pelo Insper – Instituto de Ensino e Pesquisa, e sócio de Silveiro Advogados.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 9 de fevereiro de 2016, 8h36