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No dia 26 de maio deste ano foi sancionada a Lei 13.129. Importa frisar, desde logo, que não se trata de uma nova lei de arbitragem, mas tão somente de um diploma com a finalidade de realizar atualizações pontuais. No texto, é possível perceber a preocupação em preservar o sistema instituído pela Lei 9.307/96 e viabilizar a necessária modernização, a fim de compatibilizar o instituto da arbitragem com os anseios da sociedade contemporânea, juntamente com o texto e os princípios contidos no novo Código de Processo Civil e com a jurisprudência dominante nos tribunais superiores.
Adequar um meio de resolução de demandas às características e necessidades de nossa sociedade torna-se um benefício ímpar, de grande importância para a busca da efetividade processual. Entretanto, apesar do evidente avanço realizado, perdeu-se uma excelente oportunidade obter a extensão positiva concreta a diversas espécies de demandas tão comuns hodiernamente. Quando do projeto da lei de reforma, havia previsão de disciplinar o uso da arbitragem nas relações com a Administração Pública (artigo 1°, parágrafo 1°)[1], nos contratos de adesão e nos consumeristas[2] (artigo 4°, parágrafos 2° e 3°) e nas relações trabalhistas[3] (artigo 4°, parágrafo 4°). No entanto, as três últimas hipóteses foram vetadas pela Presidência da República por entender que a relação jurídica ontologicamente desequiparada impediria a previsão de cláusula de compromisso arbitral[4].
Estes vetos formam o objeto de reflexão do presente texto.
Nesse sentido, primeiramente é bom lembrar que a arbitragem é um mecanismo alternativo de solução de conflitos, que, numa definição singela, porém precisa, é “a prática alternativa, extrajudiciária, de pacificação antes da solução de conflitos de interesses envolvendo os direitos patrimoniais e disponíveis, fundada no consenso, princípio universal da autonomia e da vontade, através da atuação de terceiro, ou de terceiros, estranhos ao conflito, mais de confiança e escolha das partes em divergência”[5]
Ressaltamos, assim, a lição de Mauro Cappelletti ao tratar do acesso à justiça quando afirma que “a ‘terceira onda’ vai muito mais além dessas formas de simplificação dos procedimentos e dos órgãos de justiça. Muito importante é a substituição da justiça contenciosa por aquela que denominei de justiça coexistencial, isto é, baseada em formas conciliatórias”[6].
Portanto, a desjudicialização das relações jurídicas é, sem dúvida alguma, um caminho a ser trilhado na perspectiva evolutiva da jurisdição. Encontrar uma forma efetiva e ótima de resolver conflitos é um dos principais objetivos do legislador, sendo facilmente identificável na parte geral das normas fundamentais do novo CPC, mais especificamente no seu artigo 3°[7].
Ao limitar o âmbito de utilização da arbitragem, ocorre, a um só tempo, um óbice desarrazoado a parcela significativa da população de ter acesso a uma justiça especializada e célere, bem como se retira a possibilidade de desafogo do Judiciário – classicamente abarrotado desse tipo de demandas – e, por último, acaba por enfraquecer um instituto tão importante.
Conforme já lembrado, a arbitragem é uma alternativa para auxiliar na resolução de demandas e deve seguir princípios específicos do direito processual, como ampla defesa, contraditório e a imparcialidade do árbitro[8]. Dessa forma, é de se concluir que o juízo arbitral deverá atuar no interesse da justa resolução da lide, em posição equidistante das partes, não havendo espaço para presunção de prejuízo prévio.
Importante rememorar que a arbitragem é cabível quando o objeto da discussão for relativo a direitos patrimoniais disponíveis e envolver pessoas capazes[9]. Então, é completamente irrelevante o vínculo estabelecido entre as partes para análise do juízo arbitral, visto que o próprio ordenamento jurídico explicita os limites da intangibilidade sobre a qual não incide o instituto. Presumir in abstrato pela sua incompatibilidade com esses tipos de relações leva ao equívoco de classificar qualquer conflito dessa natureza como intransigível, gerando uma contrariedade sistêmica, tendo em vista que o ordenamento prevê a plena validade de realização de acordo extrajudicial nesses casos, mesmo havendo maior autonomia e menor controle estatal nessa espécie de negociação.
Outro ponto relevante é a autonomia da vontade dos litigantes. A premissa de que a relação é desigual não leva à conclusão necessária de inexistência de escolha voluntária e livre da parte considerada mais fraca. A lógica, em verdade, é inversa: quanto mais célere e especializado o procedimento, maior será a vantagem para todos os envolvidos. Ainda em reforço a essa questão, não se pode olvidar que o consumidor ou o trabalhador ou mesmo o aderente queiram realmente que seu caso futuro seja resolvido por um terceiro diferente do Judiciário. Portanto, fechar essa via na defesa do mais fraco tem o potencial de acabar prejudicando-o[10].
Por seu turno, o argumento de que todo contrato dessa natureza passará a constar a cláusula arbitral também não se sustenta, haja vista que a arbitragem é uma via custosa e sua escolha passa pela observância da justiça gratuita dos juizados especiais e da justiça trabalhista, hipóteses em que o empresário sopesará os fatores econômicos para propor a cláusula.
Por fim, o veto impede o fortalecimento de um instituto criado para desafogar o Judiciário, que vive uma crise de prestação de sua função constitucionalmente determinada, também pelo fato de ter que analisar inúmeros processos que chegam até ele diariamente. Tem-se, consequentemente, o esvaziamento de um de seus fundamentos de criação, marchando na contramão da lógica de incentivo desejável e recomendável de utilização de vias alternativas e facilitadoras da prestação jurisdicional.
A distinção de relações jurídicas tem, ainda, o efeito de atribuir à arbitragem uma imagem social ruim no quesito de busca da justiça, pois a intervenção presidencial claramente desqualifica a justeza da sentença arbitral, apontando uma inexistente falta de compatibilidade e de capacidade na resolução de conflitos envolvendo relação jurídica de presumidamente desequilibrada.
Todavia, não se pode ignorar o avanço legislativo, que foi de extrema importância e deve ser aplaudido, ainda que não se tenha caminhado tanto quanto o planejado, é preciso festejar as inovações mantidas que certamente contribuirão de sobremodo na solidificação de um instituto tão importante quanto a arbitragem.
[1] Artigo 1º (…) parágrafo 1º A Administração Pública direta e indireta poderá utilizar-se da arbitragem para dirimir conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis. parágrafo 2º A autoridade ou o órgão competente da Administração Pública direta para a celebração de convenção de arbitragem é a mesma para a realização de acordos ou transações”.
Artigo 2º (…) parágrafo 3º As arbitragens que envolvam a Administração Pública serão sempre de direito e respeitarão o princípio da publicidade.
[2] Artigo 4º (…) parágrafo 2º Nos contratos de adesão, a cláusula compromissória só terá eficácia se for redigida em negrito ou em documento apartado. parágrafo 3º Na relação de consumo estabelecida por meio de contrato de adesão, a cláusula compromissória só terá eficácia se o aderente tomar a iniciativa de instituir a arbitragem ou concordar expressamente com a sua instituição.
[3] parágrafo 4º Desde que o empregado ocupe ou venha a ocupar cargo ou função de administrador ou diretor estatutário, nos contratos individuais de trabalho poderá ser pactuada cláusula compromissória, que só terá eficácia se o empregado tomar a iniciativa de instituir a arbitragem ou se concordar expressamente com a sua instituição.
[4] Razões dos vetos
“Da forma prevista, os dispositivos alterariam as regras para arbitragem em contrato de adesão. Com isso, autorizariam, de forma ampla, a arbitragem nas relações de consumo, sem deixar claro que a manifestação de vontade do consumidor deva se dar também no momento posterior ao surgimento de eventual controvérsia e não apenas no momento inicial da assinatura do contrato. Em decorrência das garantias próprias do direito do consumidor, tal ampliação do espaço da arbitragem, sem os devidos recortes, poderia significar um retrocesso e ofensa ao princípio norteador de proteção do consumidor”.
“O dispositivo autorizaria a previsão de cláusula de compromisso em contrato individual de trabalho. Para tal, realizaria, ainda, restrições de sua eficácia nas relações envolvendo determinados empregados, a depender de sua ocupação. Dessa forma, acabaria por realizar uma distinção indesejada entre empregados, além de recorrer a termo não definido tecnicamente na legislação trabalhista. Com isso, colocaria em risco a generalidade de trabalhadores que poderiam se ver submetidos ao processo arbitral”.
[5] LIMA. Cláudio Vianna de. A arbitragem no tempo, o tempo na arbitragem, in A Arbitragem na Era da Globalização, livro coordenado pelo professor José Maria Rossani Garcez, 2ª edição, Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 5.
[6] CAPPELLETTI, Mauro. Problemas de Reforma do Processo nas Sociedades Contemporâneas, Revista Forense n 318 pp. 119/128. A citação encontra-se à pp. 123/124.
[7] Lei 13.105/2015: Artigo 3o Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito.
parágrafo 1º É permitida a arbitragem, na forma da lei.
parágrafo 2º O Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos.
parágrafo 3º A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial.
[8] Lei 9.307/1996: Artigo 21. (…)
parágrafo 2º Serão, sempre, respeitados no procedimento arbitral os princípios do contraditório, da igualdade das partes, da imparcialidade do árbitro e de seu livre convencimento.
[9] Lei 9.307/1996: Artigo 1º As pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis.
[10] Nesse sentido de ações de boas intenções e consequências ruins, ver artigo de Rodrigo Naumann e José Vicente Santos de Mendonça disponível em http://jota.info/de-boas-intencoes-e-maus-resultados, publicado em 05/02/2015.
Por Irapuã Santana do Nascimento da Silva é assessor de ministro no Supremo Tribunal Federal, procurador do município de Mauá (SP), professor da pós-graduação da Uniceub e mestrando em Direito Processual na UERJ e Humberto Dalla Bernardina de Pinho é promotor de Justiça no Rio de Janeiro e professor adjunto de Direito Processual Civil na Uerj e na Unesa
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 1 de junho de 2015, 10h07