A arbitragem é um dos métodos legais para solução de controvérsias relativas a direitos patrimoniais disponíveis, constituindo alternativa à judicialização (jurisdição pública). Foi instituída no Brasil pela Lei 9.307/1996, a qual teve sua redação atualizada pela Lei 13.129/2015, e atualmente tem sido utilizada, inclusive, em segmentos marcados por forte dirigismo contratual e com regimes jurídicos exorbitantes do Direito comum, tais como relações de consumo[1] e contratos firmados com a administração pública[2].
O novo Direito do Trabalho brasileiro, cujos contornos legislativos foram inaugurados pela Lei 13.467/2017, permite expressamente o uso da arbitragem em conflitos inerentes a contratos individuais de trabalho, nos quais a remuneração do empregado seja superior ao dobro do limite máximo estabelecido para os benefícios do Regime Geral de Previdência Social.
O artigo 507-A da nova CLT estabelece a possibilidade de pactuação de cláusula compromissória de arbitragem, desde que por iniciativa do empregado ou mediante sua concordância expressa.
A cláusula compromissória, segundo o artigo 4º da Lei 9.307/96, é a convenção através da qual as partes em um contrato comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir, relativamente a tal contrato.
A força irradiante dessa regra contratual compromissória, relativa à convenção de arbitragem, encerra um verdadeiro silogismo de causa e efeito justificador do parâmetro mínimo remuneratório fixado no artigo 507-A, do qual decorre presunção de autonomia e liberdade volitiva do empregado, na medida em que o elevado valor da contraprestação de seu trabalho está diretamente relacionado à especialização estratégica de sua contribuição para a organização empresarial (contratante), reforçando o autodesígnio deste diferenciado empregado, que tem sido nominado, nesta lógica jurídico-econômica, como hiperssuficiente.
Tanto é assim que, na experiência corporativa empresarial, tais profissionais acabam empreendendo a especialização de seu particular know how mediante a constituição de entidade empresarial autônoma em relação à pessoa natural do empregado. Trata-se de exceção à pessoalidade subjetiva do artigo 3º da CLT (“considera-se empregado toda pessoa física”), uma vez que o que importa para a contratante é a particular especialização do know how, definidora da prestação de serviços.
Inclusive, em reforço a tal fenômeno, típico de uma sociedade cuja economia de desenvolve a partir da empresa[3], o atual Direito Societário brasileiro consagra até mesmo uma forma de constituição unipessoal de personalidade jurídica, a saber, Eireli (artigo 980-A do Código Civil).
Na mesma linha, os artigos 4º-A e 5º-A da Lei 6.019/1974, com redação dada pela Lei 13.467/2017, pacificam a contratação de outras pessoas jurídicas como prestadoras de serviços (independentemente de qualquer pré-conceito juslaboral acerca de quais atividades possam ou não ser contratadas — terceirizadas). Essa é, sem sombra de dúvidas, mais uma alternativa de organização do feixe de contratos que justifica e define a empresa.
Portanto, é uma tendência natural do desenvolvimento nas relações empresariais que o profissional hiperssuficiente deixe de prestar serviços sob a via estreita do vínculo de emprego e passe a fazê-lo mediante contrato firmado por meio de pessoa jurídica, titular de empresa que explora economicamente a especialização do particular know how do profissional que a instituiu, até mesmo porque essa é uma conveniente forma de organização tributária e de planejamento patrimonial desse profissional titular.
Nesse sentido, não restam dúvidas de que em contratos firmados entre entidades empresariais a cláusula compromissória arbitral é totalmente lícita e recomendada.
Contudo, o típico litígio deduzido perante a Justiça laboral, em forma de reclamatória trabalhista, não pode ser alternativa à pessoa física (hiperssuficiente), titular e beneficiária da entidade empresarial que presta serviços de forma profissional à sua(s) contratante(s). Não é lícito nem moralmente correto que tal profissional se beneficie das lógicas jurídicas e econômicas típicas da natureza contratual empresarial, durante a vigência do contrato de prestação de serviços, e após sua rescisão, ou na iminência da mesma, valha-se da via do processo trabalhista e das presunções que lhe são típicas para atrair em seu favor as repercussões legais próprias do vínculo de emprego.
Neste contexto, e com vistas a evitar o locupletamento indevido decorrente da sobreposição destes regimes jurídicos (o empresarial e o empregatício), é recomendável que os titulares de empresas prestadoras de serviço também sejam especificamente abrangidos pela cláusula compromissória de arbitragem presente nos contratos firmados com as entidades empresariais das quais participem, seja como sócios, administradores ou titulares. Até porque, em linha com o artigo 507-A da nova CLT, isso não seria proibido, caso fossem empregados contratados sob o vínculo de emprego.
[1] STJ, REsp. 1.189.050.
[2] Artigo 1º, parágrafo 1º, da Lei 9.307/96.
[3] Silva, Emanoel Theodoro Salloum. Gestão estratégica do risco legal: fundamentos inerentes à Nova Economia Institucional e compliance. Revista de Direito Empresarial. ReDE, v. 2, n. 6, p. 293-316, nov./dez. 2014. Ed. Revista dos Tribunais.
Por Emanoel Theodoro Salloum Silva, sócio do Salloum, Becker e Camargo Advogados Associados e especialista em Direito Empresarial.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 10 de julho de 2018, 15h02
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