Ultimamente, à medida em que avança no Congresso a tramitação, agora no Senado, o Projeto de Lei de Contrato de Seguro da Câmara (PLC 29/2017) vem recebendo aplausos e algumas críticas, notadamente no que se refere ao tratamento que dá aos meios alternativos para a solução de conflitos. Há quem sustente que, se por um lado ele representará avanços nos contratos de seguros, por outro, será um retrocesso na área das arbitragens e mediações. Sustenta-se que o projeto de lei seria incompatível com a legislação processual que dá prioridade aos métodos alternativos de solução de conflitos. Como coordenadores da comissão que elaborou o Anteprojeto e os diversos trabalhos que conduziram ao mencionado projeto, podemos afirmar que essas críticas não se justificam.
Uma das objeções é a de que no Projeto de Lei de Contrato de Seguro faltam dispositivos sobre a mediação a respeito dos conflitos securitários. Ora, o projeto não poderia pretender disciplinar tudo aquilo que já está regulado pela lei especial de arbitragem e mediação. Apesar disso, em prestígio dos meios de solução alternativa de litígio, o projeto, no artigo 63, admite expressamente a arbitragem e a mediação. Portanto, ele prestigia esses importantes meios para a solução dos litígios securitários. Entretanto, o que aprece incomodar é o fato de o Projeto de Lei de Contrato de Seguro deixar claro que, para as lides securitárias não terão validade as cláusulas unilateralmente impostas pelo fornecedor, como são as inseridas nas apólices de seguro.
Além de as apólices serem escritas exclusivamente pelas seguradoras, o contrato de seguro não é um contrato formal e pode existir, ser válido e eficaz mesmo sem a existência de qualquer escrito. Embora alguns imaginem que o seguro é um contrato formal e paritário, ele é sempre um contrato consensual (informal), por adesão. O contrato de seguro por adesão não é apenas aquele celebrado com pessoas físicas. Não são poucas as decisões judiciais que chegam até mesmo a situar grandes empresas seguradas como consumidoras. Praticamente toda a doutrina brasileira reconhece que também os contratos de seguro de grandes riscos são típicos contratos de adesão.
Por isso, o Projeto de Lei de Contrato de Seguro prevê que a validade e a eficácia das cláusulas que estabeleçam a mediação e a arbitragem dependerão, sempre, da concordância expressa do segurado, manifestando a sua livre vontade. Assim, não é verdadeira a presunção de que o projeto ameace os importantes ganhos alcançados com a Lei de Arbitragem e Mediação. Ele apenas afasta a arbitragem e a mediação empurradas goela abaixo.
Embora o Brasil seja o terceiro país no mundo em número de arbitragens na Corte Internacional de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional (CCI), isso não significa, necessariamente, que o empresariado brasileiro tenha acolhido e assimilado perfeitamente o instituto da arbitragem. Na área de seguro, como certamente também em outras, isso não é verdade. Alguns empresários brasileiros chegam a ter verdadeira ojeriza à arbitragem sobre matéria de seguro, especialmente quando esta possa estar sujeita a leis estrangeiras e implicar custos elevados.
Como o seguro é um instrumento de proteção indispensável para as pessoas, as empresas e a sociedade em geral, e a aceitação de sua contratação, algumas vezes, é condicionada à aceitação das cláusulas de arbitragem, acaba acontecendo de os segurados serem obrigados a engolir a imposição de “mediações estruturadas” e arbitragens desenhadas ao gosto do mercado de resseguro estrangeiro. Ocorre que os contratos de seguro, além de se formarem por adesão, por sua própria natureza, não surtem seus efeitos relevantes apenas para as partes que participam diretamente da contratação, mas também para uma ampla coletividade de outros segurados e beneficiários, assim como de terceiros.
Portanto, não é desejável um pacto de mediação ou de arbitragem que possa onerar os inúmeros interessados na execução no negócio securitário. Basta imaginar um empreendimento de engenharia ou uma operação de grande porte que além de interessar aos construtores ou operadores contratantes do seguro, garante também os interesses do dono da obra, seus investidores, seus subcontratados, às vezes reunindo na condição de cossegurados centenas de outras empresas e profissionais individuais, isso sem falarmos em terceiros vítimas dos acidentes e a toda a sociedade. A Lei de Arbitragem evidentemente não fornece de forma especial e completa a segurança jurídica necessária das relações securitárias.
Para aperfeiçoar o regime protetivo e especificá-lo é que se procura outorgar a primeira lei especial de contrato de seguro. Essa lei, que que representará avanços nos negócios securitários, não pode ter a sua incidência afastada em razão de pactos de arbitragem impostos por quem tem o poder de decidir se subscreve ou não os riscos e, ocorrido o sinistro, de pagar ou não a indenização. A tentativa de excluir os seguros mais relevantes das leis nacionais é decorrência de anseio antigo e bastante conhecido das resseguradoras e seguradoras estrangeiras. Convém-lhes evitar as leis nacionais dos países em que têm operações.
A lei de contrato de seguro não pode deixar de garantir sua própria incidência. As próprias seguradoras e as corretoras de seguro, representadas pela Confederação Nacional das Seguradoras (CNSeg) e pela Federação Nacional dos Corretores de Seguro – Fenacor, convergiram com as regras do artigo 63 e parágrafo único do PLCS. Isso, certamente, revela que assim como os segurados e beneficiários, as seguradoras e os corretores também vêm identificando que as arbitragens com sede no exterior e aplicação de direito estrangeiro têm resultado em detrimento dos interesses dos segurados, beneficiários, assim como no das seguradoras e corretoras.
Outra crítica comum ao Projeto de Lei de Contrato de Seguro é a de que estaria em jogo a confidencialidade das arbitragens. Isto também não é fato. O projeto prestigia a confidencialidade. O que ele estabelece é que os resumos das arbitragens, seus fundamentos e conclusões, não se percam, deixando o Brasil órfão de experiência e cultura jurídicas sobre seguro e resseguro, e sem jurisprudência a prevenir abusos.
Na contramão da apologia da absoluta liberdade, o projeto de lei vem ao encontro das preocupações que compartilha a melhor doutrina mundial a respeito da subtração à lei e às jurisdições nacionais. A aplicação da lei brasileira aos contratos de seguro, ao invés de aumentar os custos econômicos, racionaliza-os de conformidade com a ordem jurídica brasileira.
A arbitragem no Brasil e conforme a lei de contrato de seguro brasileira trará segurança, amadurecimento das nossas instituições de seguro, resseguro e arbitragem, assim como razoável economia, sem a qual, muitas vezes, optaremos por deixar de lado os nossos direitos para não termos de suportar uma via crucis ignota e dispendiosa.
Por Ernesto Tzirulnik, advogado especialista em Direito Securitário. Presidente do Instituto Brasileiro de Direito do Seguro (IBDS). Coordenador da comissão elaboradora do Projeto de Lei de Contrato de Seguro. Doutor em Direito pela USP.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 12 de outubro de 2017, 7h39
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