*Artigo originalmente publicado na edição de 22 de dezembro de 2017 do jornal Folha de S.Paulo com o título A oportunidade da mediação
O atual ambiente complexo que domina o país é alimentado por fatores como os incessantes escândalos de corrupção, a incompetência de gestão e uma cultura que prioriza o litígio em detrimento da busca pelo entendimento.
Para os dois primeiros problemas, já está em curso um amplo debate sobre as formas de combatê-los. Já a discussão sobre a necessidade de acabar com a cultura da litigiosidade, no entanto, tem sido relegada ao segundo plano, como se não exercesse influência sobre aspectos fundamentais para a vida do país e de suas instituições. A superação da crise e do cenário conflagrado depende da adoção urgente de uma cultura de conciliação.
O Judiciário sofre as consequências dessa cultura do conflito. A prova disso está no grande número de processos que inundam os tribunais brasileiros, emperrando as engrenagens da Justiça. São mais de 100 milhões de ações judiciais tramitando.
Mas a persistência desse péssimo hábito dentro do sistema de Justiça não é um processo isolado. Ele faz parte do contexto mais amplo de intensificação dos conflitos sociais, do avanço da intolerância e dos extremismos.
Nos últimos anos, a litigiosidade deixou de ser inerente à Justiça, aumentando sua presença em outros ambientes fundamentais para o desenvolvimento nacional. O Congresso tornou-se palco de intensa disputa puramente político-eleitoral entre os partidos, sem que houvesse a necessária contrapartida em diálogos e projetos em prol do país.
As próprias instituições da República protagonizaram, entre elas e dentro delas, preocupantes episódios de atrito e descoordenação.
Neste momento delicado, a busca pela mediação e pelo entendimento é a alternativa ao aprofundamento da crise e à paralisação das estruturas democráticas.
Por isso, pode partir do mundo jurídico a iniciativa de dar o bom exemplo necessário para a virada deste capítulo conturbado da história brasileira. Essa contribuição seria a atuação mais contundente contra a litigância excessiva.
Nosso país tem um rico arcabouço de leis e ferramentas legais que permitem a resolução dos conflitos com diálogo e acordo. Mas essas inovações positivas não foram, ainda, acompanhadas da necessária mudança cultural.
Os agentes do sistema judicial precisam estar comprometidos com a busca por soluções consensuais para as disputas entre indivíduos e entre empresas, que não precisam sempre da tutela estatal para fazer suas composições. Costumeiramente, aliás, as pessoas conseguem chegar a boas soluções consensuadas no dia a dia.
São inúmeras as vantagens da autocomposição dos conflitos. Além de poupar o desgaste emocional de manter um litígio por tempo indeterminado, as partes economizam o tempo que seria gasto em trâmites e formalidades.
Há, inclusive, a possibilidade de resolver tudo sem a apresentação de provas e documentos. Inúmeros países já incentivam esses métodos com sucesso, conseguindo desafogar seus Judiciários —outra demanda urgente do Brasil.
A iniciativa de promover a mediação na esfera judicial certamente transbordará os limites dos tribunais e servirá de referência à sociedade em todas as suas dimensões.
Menos conflitos e mais tolerância, com o respeito sincero à opinião divergente. A tônica necessária para a superação da crise é a busca pelo entendimento. Isso vale para as esferas judicial e política.
Os estadistas sabem que o caminho da autocomposição costuma ser mais produtivo. Espera-se que as oportunidades de mediação sejam estimuladas e aproveitadas daqui em diante, com o estímulo necessário vindo do meio jurídico. Afinal, uma boa conversa tende a ser melhor do que qualquer briga.
* Texto atualizado às 17h55 do dia 22/12/2017 para correção do título.
Por Marcus Vinicius Furtado Coêlho, advogado, doutor pela Universidade de Salamanca (Espanha) e ex-presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 22 de dezembro de 2017, 13h20
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