RESUMO: O presente artigo analisa o requerimento sobre a possibilidade da realização de conciliação, busca entender qual a mens legis do dispositivo processual que estabeleceu tal requisito à petição inicial e qual a consequência processual da omissão da manifestação na peça de arranque. O estudo procurou analisar o posicionamento doutrinário dos principais nomes do direito processual contemporâneo, prever qual será a provável linha jurisprudencial que será firmada nos tribunais e enfatizar qual o momento que deve ser feita a manifestação pelo réu.
PALAVRAS-CHAVE: Direito processual civil; manifestação pela audiência de conciliação/mediação; inexistência de causa de indeferimento ou emenda da inicial; aceitação tácita da audiência.
1. INTRODUÇÃO
Primeiramente, para entendermos por qual motivo a manifestação sobre a possibilidade ou não de conciliação passou a ser inserto no NCPC como um requisito da petição inicial, faz-se necessário compreender a metodologia do NCPC.
Nesse passo, o operador do direito ao abrir os primeiros artigos da nova codificação processual, já consegue perceber uma grande – e válida – preocupação com os princípios constitucionais processualísticos.
Vale dizer que, a transcrição dos princípios constitucional no novo codex não é mais do mesmo, mas sim, a afirmação de que tais princípios devem ser observados em toda a atividade processual, isto é, sempre será possível invocar princípios quando houver uma lacuna legislativa, ou, até mesmo, quando a lei for extremamente desproporcional, afastando-se a lei, ou a reinterpretando, dando efetividade ao princípio da proibição do excesso (Übermassverbote). Princípio esse, importado pelo direito alemão, e que, cada vez mais, ganha espaço no direito pátrio.
Assim, na tentativa de garantir a rápida solução dos processos, bem como dar efetividade ao poder judiciário, o legislador infraconstitucional, repito, fez questão de transcrever princípios constitucionais processuais. Destaquem-se, para o presente estudo:
Art. 3º Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito.
§ 1º É permitida a arbitragem, na forma da lei.
§ 2º O Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos.
§ 3º A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial.
Art. 4º As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa.
Art. 5º Aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé.
Art. 6º Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva.
Com efeito, o Novo Código de Processo Civil estabeleceu, no inciso IV, do Art. 319, como requisito da petição inicial, a manifestação sobre a possibilidade ou não de conciliação.
É importante destacar que a presente manifestação tem como escopo abrir margem à conciliação já no início da lide, pois a partir do momento que o réu recebe o mandado citatório, já está ciente da possibilidade de solução rápida e amigável à lide.
Vale dizer que, uma das tentativas do Novo Código de Processo Civil, é tentar desfazer o rótulo de que o processo é um espaço para discussões acaloradas que levam anos para ser resolvidas, que acabam, por muitas vezes, desgastando as partes, desnecessariamente, e, assim, muitas vezes afastando o cidadão a procurar o judiciário, deixando de romper a inércia judicial, pois as vantagens de uma eventual lide serão menores do que o desgaste de um processo judicial.
2. DA PRESCINDIBILIDADE DA MANIFESTAÇÃO SOBRE A OPÇÃO DO AUTOR PELA REALIZAÇÃO OU NÃO DE AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO OU DE MEDIAÇÃO
De início, de acordo com o inciso IV do Art. 319 do Novo Código de Processo Civil, a petição inicial deverá indicar a opção do autor pela realização ou não de audiência de conciliação ou de mediação.
Como narramos anteriormente, a presente manifestação em questão tem como escopo estimular a conciliação das partes, isto é, semear uma nova atitude. No entanto, é de suma importância perquirir quais são os efeitos da não manifestação pela audiência de conciliação ou de mediação.
Nesse sentido, Daniel Amorim afirma que:
Não havendo qualquer manifestação de vontade do autor, em descumprimento ao previsto no inciso ora analisado, não é caso de irregularidade da petição inicial e tampouco de hipótese de emenda da petição inicial. (NEVES, 2016, pág. 534)[1]
Na mesma linha de raciocínio, o festejado autor Fredie Didier Jr., ensina que, “se o autor não observar esse requisito, a petição não deve ser indeferida por isso, nem há necessidade de o juiz mandar emendá-la”.(DIDIER, 2017, pág.627)[2].
Já Leonardo Carneiro da Cunha, de forma catedrática, diz que “a falta do preenchimento do requisito contido no inciso VII do art. 319 do CPC de 2015 não constitui motivo para se determinar a emenda da petição inicial, nem deve acarretar seu indeferimento. O autor não precisa indicar que pretende a realização da audiência de conciliação ou mediação. Só precisa indicar seu desinteresse. Caso nada diga, o juiz deve interpretar o silêncio como aquiescência à sua realização”.[3]
Sobre o assunto, Marinoni, Arenhart, Mitideiro, estabelecem que
A petição inicial tem de contar com expressa referência à opção pela realização ou não de audiência de conciliação ou de mediação (art. 319, VII, CPC). A ausência de referência deve ser interpretada a .favor da sua realização (art. 3º, § 2º ,CPC). (MARINONI, ARENHART, MITIDEIRO, 2015, pág. 341)[4].
Ora, com razão a doutrina majoritária orienta que a não manifestação sobre a possibilidade ou não da audiência não deve acarretar a inépcia da inicial. Primeiro, a regra é a tentativa de conciliação; segundo, mesmo que o autor optasse por não realizar a audiência, essa somente seria dispensada quando ambas as partes se manifestarem pelo desinteresse (Art. 334, §4º, I do NCPC); terceiro, os pedidos devem ser interpretados de acordo com o conjunto da postulação e observará o princípio da boa-fé (Art. 322, §2º do NCPC), e; quarto, sempre que possível o estado buscará a solução consensual dos conflitos (Art. 3º, §2º do NCPC).
Ademais, como regra, tanto os direitos disponíveis e indisponíveis admitem transação, assim, não faz sentido interpretam a omissão pela audiência como recusa à audiência de conciliação/mediação, tampouco é razoável o magistrado mandar emendar à inicial pela ausência da manifestação, pois tal postura apenas irá delongar injustificadamente o processo, e fará com que o estado deixe de buscar a solução consensual do conflito no caso em concreto.
3. DA MANIFESTAÇÃO FEITA PELO RÉU
Por derradeiro, é importante tecer alguns comentários sobre a manifestação que deve ser realizada pelo réu.
Pois bem, de acordo com o Novo Código Processo Civil, mais precisamente na norma inserta no §5º do Art. 334, o réu deverá fazê-lo, por petição, apresentada com 10 (dez) dias de antecedência, contados da data da audiência.
Nesse sentido, Fredie Didier Jr., afirma que “o réu deve dizer expressamente quando não quer a audiência, e o silêncio pode ser interpretado como não oposição de realização do ato”. (DIDIER, 2017. Pág. 627)[5].
No tocante a esse ponto, é importante trazer à baila o entendimento do Professor Daniel Amorim, aduzindo que:
A exigência de que o desinteresse na realização da audiência seja manifestação de forma expressa por ambas as partes é uma triste demonstração do fanatismo que tem tomado conta do âmbito doutrinário e legislativo a respeito da solução consensual do conflito. Como diz o ditado popular, “quando um não quer, dois não fazem”, de modo que a manifestação de uma das partes já que deveria ser suficiente para que a audiência não ocorresse. (NEVES, 2016, pág. 572-573).
A bem da verdade, o posicionamento do renomado processualista, até faria sentido no caso de demandas em massa, onde o escritório que patrocina a causa já tem uma linha de defesa muito bem definida, e, infelizmente, na maioria esmagadora das vezes, nesses casos não há espaço para conciliação.
De outra banda, com exceção do caso acima mencionado, parece que sempre poderá ocorrer uma solução consensual no decorre do processo, mesmo que, de início, a proposta conciliatória seja desejo de apenas uma parte. Dessa maneira, é até louvável como se posicionou o legislador, pois busca forçar o acordo e com isso resolver o processo da melhor maneira possível para ambas as partes.
Por outro lado, parece que o legislador foi extremamente infeliz na escolha do prazo para que o réu faça sua opção pela realização da audiência. Isso porque, conforme acima narrado, o prazo é de 10 dias antes da audiência. Ocorre que, em muitos casos, essa audiência é marcada para meses, ou até mesmo ano. O que pode (e já acontece) dar uma margem para que o réu protele, injustamente, o processo.
Nessa esteira, Daniel Amorim tece críticas ácidas a opção legislativa, afirmando que:
A norma só pode ser creditada a uma inacreditável ingenuidade do legislador baseada na crença de que o prazo de 30 dias para a designação de audiência, previsto no caput do art. 334 do Novo CPC, vá ser efetivamente respeitado. (NEVES, 2016, pág. 574).
Tamanha gafe legislativa, caso seja usada para indevido prolongamento do processo, deverá ser objeto de alteração legislativa futuramente, fixando o prazo para se manifestar, do recebimento do mandado de citação. Ademais, se isto não bastasse, é importante lembrar que o prazo de contestação somente irá começar correr após o protocolo do pedido para não realizar a audiência conciliatória, o que parece ser irrazoável, pois, certamente, teremos cenários que a parte disporá de prazo imenso para apresentar sua defesa, o que é até incentivo para a parte deixar para se manifestar no último dia de prazo possível, prolongando a ação.
4. CONCLUSÃO
Diante do que foi apresentado no presente estudo, conclui-se que o maior interessado de se manifestar sobre a realização da audiência de conciliação/mediação é o autor, uma vez que, se esse está ingressando em juízo pressupõe que algum direito seu, em tese, foi lesado, assim, é o maior interessado na rápida solução do litígio é a parte que provoca o judiciário.
Nessa linha de pensamento, o Novo Código de Processo Civil ao exigir a manifestação no bojo da inicial, pretende que as partes, no início da demanda, comecem as tratativas de conciliação.
Contudo, como, em regra, os direitos tratados na demandas são transacionáveis, mesmo que verse sobre direitos indisponíveis, a falta de manifestação pela audiência deve ser interpretada como não objeção pela realização da mesma, a fim de assegurar, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos (Art. 3, §2º do NCPC).
Por outro lado, ficou demonstrado que a manifestação do réu sempre será necessária para dispensar a audiência, ou seja, mesmo que o autor opte pela não realização da audiência, tal somente deixará de ocorrer se houver manifestação expressa bilateral das partes para a sua não realização.
Por fim, chamamos atenção para a gafe legislativa na fixação de prazo para o réu se manifestar sobre a sua não realização, que, segunda o codex, é de 10 dias antes da realização da audiência. Porém, caso a audiência seja marcada, por exemplo, para daqui um ano, mesmo assim o réu disporá desse longo prazo para se manifestar sobre a audiência, e pior, somente após essa manifestação o prazo de contestação começara correr, o que deve ser objeto, futuramente, de reforma legislativa.
5. REFERÊNCIAS
DIDIER, Fredie Jr. Curso de direito processual civil: Volume1..– 19. Ed – Salvador: Ed. Jus Podivm, 2017. Pág: 627.
NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Processo Civil. 8. Ed – Salvador: Ed. JusPodivm, 2016. Pág. 534.
MARINONI, Luiz; ARENHART, Sérgio, e; MITIDEIRO, Daniel. Novo Código de Processo Civil, 1ª. Ed, Revista dos Tribunais.
Por Nilson Luiz de Lima Junior, graduado em Direito pela Universidade Uniderp/Anhanguera, pós-graduado em Direito Processual Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais PUC-MINAS, Advogado.
Fonte: Conteúdo Jurídico – Segunda, 03 de Julho de 2017 04h30
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