Temos que ir atrás de muitos outros motivos para comprovar a eficácia do modelo consensual quanto ao tratamento adequado dos conflitos, antes mesmo da instauração oficial do processo e, se o mesmo infelizmente o for, porque não estimularmos que ele seja economicamente vantajoso acaso as partes cheguem a um consenso de imediato? E no curso do processo, podemos temos ter esse benefício?
A política nacional de tratamento adequado de conflito é a reflexão desenvolvida pelo Poder Judiciário sobre a sua importância no meio social como referência na solução de conflitos e na necessidade de aprimoramento das vias de resolução dos conflitos de interesses.
As ações desenvolvidas, que ultrapassam os limites da simples preocupação da baixa do estoque processual, impõem investimentos na prevenção e contenção de demandas, assim como na melhoria na oferta de solução aos conflitos. Não podemos mais continuar a achar que todos os conflitos que chegam ao Judiciário serão resolvidos pela jurisdição tradicional de forma satisfatória ou no tempo esperado.
Torna-se preocupante a inefetividade do Judiciário no volume de demandas que lhe é apresentado, especialmente quando há estudos que apontam não ser sempre a solução judicial — com o enquadramento do caso à norma legal e suas imposições — a melhor providência para o conflito, muitas vezes não alcançando o resultado esperado pelas partes, qual seja, a pacificação social com a satisfação dos interesses contrapostos, já que Justiça é algo muito subjetivo.
Entretanto, podemos, com certeza, a partir do diálogo franco, aberto e criativo, chegar a uma solução pelas próprias partes, contando no máximo com a intermediação de um terceiro, que pode ser o Estado-juiz, no sentido amplo do termo, hoje com seus novos auxiliares (mediadores e conciliadores), agindo de uma forma totalmente diferente da tradicional. E esse é justamente o seu maior desafio hodiernamente.
Não é outra a compreensão que podemos ter da afirmação da comissão do anteprojeto do CPC, na exposição do anteprojeto do CPC[1], ao dizer que “a satisfação efetiva das partes pode dar-se de modo mais intenso se a solução é por elas criada e não imposta pelo juiz”.
Além desse resultado prático, nota-se com facilidade o proveito econômico ao Estado, que deve lutar pela melhor forma de atenção ao cidadão, utilizado o investimento necessário para prestação desse serviço.
O ministro Joaquim Barbosa, na Presidência cumulativa do STF e do CNJ, quando da abertura da I Conferência Nacional de Conciliação e Mediação[2] (em 28/6/2013), destacou que “65{090ae30b5a2de34e6896ba6ffc156d967cd5360bfbe023e73084a754d61d15a5} das ações da área cível, que incluem pedidos de indenização, discutem valores menores do que R$ 1 mil e o custo médio de cada processo é de R$ 1,3 mil”.
Trata-se, pois, de uma medida de probidade com a coisa pública, uma vez que as despesas para a solução de conflitos pela via do consenso envolvem um investimento de menor custo racional.
A priorização da composição amigável dos conflitos judicializados é expressa no inciso V, artigo 139, do Código de Processo Civil de 2015, cumprindo aos tribunais a criação de setor próprio destinado a estimular a autocomposição (artigo 165).
Consta, ainda, em caráter que nos parece impositivo, dada a redação apresentada, o encaminhamento de todos os processos para tentativa de se chegar ao consenso, desde que preenchidos os requisitos essenciais e não for caso de improcedência liminar (artigo 334).
Portanto, a audiência inaugural que busca o consenso será o passo inicial de todas as demandas com direitos disponíveis em discussão, isso sem contar com as demandas em que a conciliação já é fase processual antecipatória do contraditório (juizados especiais, rito sumário, ação de alimentos etc.).
Contudo, não é apenas com a administração pública que o CPC/2015 preocupou-se em assegurar redução de custos para os trâmites processuais.
Vimos com muita simpatia a autonomia às partes conferida no artigo 190, que pode eliminar burocracias reconhecidas como inúteis à sustentação da defesa dos seus próprios argumentos, bem como da oportunidade para conversão mais econômica do processo, pois controlando diretamente o procedimento, o enxugamos no próprio interesse da solução mais eficaz, reabrindo a questão da busca do consenso.
Outra passagem que promete grandes alterações no proceder econômico com impacto na conciliação foi a inclusão da obrigatoriedade de indicação do valor de ressarcimento por dano moral sofrido (artigo 292, inciso V), particularmente nas relações de consumo, uma das mais renitentes demandas judicializadas, que, juntamente com a identificação de precedentes compatíveis (artigo 489, parágrafo 1º, V), deve aproximar os pedidos do resultado final da condenação, o que termina por mobilizar os demandados habituais a buscarem a solução que reduza os custos efetuados com o trâmite processual já no início do processo, fazendo-se, de plano, o devido sopesamento dos riscos de uma eventual condenação e aí chegam ao consenso, reduzindo ao custo que terá com a continuidade.
Notável medida de estímulo é percebida nas dispensas de custas remanescentes para o caso de transação (artigo 90, parágrafo 3º) e redução de metade dos honorários de sucumbência, com o reconhecimento do direito e cumprimento da obrigação pelo réu (artigo 90, parágrafo 4º).
De todos os empenhos, é inegável que a gratuidade da conciliação e mediação pré-processual ou em processos com concessão de gratuidade, praticada por servidores ou voluntários ou em percentual definido para as câmaras privadas (artigo 169, parágrafos 1º e 2º), seja a mais vantajosa.
Do lado oposto, é atribuída multa a quem deixa de participar da audiência de consenso prévio (parágrafo 8º, artigo 334), por reconhecimento de ser um ato atentatório à dignidade da Justiça, por ferir seu compromisso público de utilizar dos recursos necessários à resolução de suas demandas, ou seja, por violação de um dever de solidariedade da parte litigante com todos demais indivíduos que necessitam da prestação jurisdicional. São estímulos que devem ser divulgados para massificar a política consensual
E mais, não se pode admitir o mero comparecimento físico, pois, mesmo sendo patente que não há obrigação legal de se fazer o acordo pela própria compreensão do artigo 5º inciso XXXV em face da supremacia do princípio da autonomia da vontade, não se pode, por outro lado, querer burlar o escopo legal de se criar dentro do procedimento, logo no seu início, um espaço em que deve prevalecer o efetivo diálogo, pelo menos mostrando a disposição de querer resolver por essa via, e muitas vezes as próprias partes não conseguem dispor o suficiente para obtenção do acordo, mas conversaram, e isso deve ser aplaudido.
O que não se pode permitir é o uso desse espaço, ainda mais quando o autor já manifestou-se pela dispensa da audiência para mera procrastinação e desrespeito ao Judiciário, que tem investido na política consensual, formando os seus auxiliares, logo comparecer sem possibilidade fática de exercitar a atividade de consenso, deve ser compreendida como não presente, aplicando a multa, sob pena da novidade de se tornar letra morta.
Mesmo com esses benefícios assegurados, cumpre ao Poder Judiciário, em especial ao Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos de cada tribunal, no trabalho de implantação de políticas de tratamento adequado dos conflitos, propor a adoção de medidas que estimulem ainda mais o uso dos meios consensuais de solução de litígio, em particular o uso da conciliação e mediação.
Uma sugestão foi apresentada pelo ministro César Peluso, quando presidente do Supremo Tribunal Federal, durante o seminário dos 100 maiores litigantes[3] (SP, 2/5/2011), ao defender, como medida para prevenção de entrada de novas ações na Justiça, a isenção das custas processuais quando as partes consigam resolver, por meio do consenso, seus processos.
Trazendo como exemplo de tribunal que tem se preocupado em sempre estimular o consenso e acolhendo a uma recomendação do seu Nupemec, o Tribunal de Justiça do Maranhão incluiu em sua tabela de custas[4] a possibilidade de redução em 50{090ae30b5a2de34e6896ba6ffc156d967cd5360bfbe023e73084a754d61d15a5} do valor do procedimento para o caso de resolução alcançada na audiência de conciliação prévia, sendo precursor nessa providência.
A proposta foi motivada pela observação de que, adiantado o valor das custas, esse gasto já se inseria no valor posto para discussão do entendimento, como forma de reposição do investimento, o que chega a dificultar um resultado consensual.
Em vigor a partir de 1º de março de 2017, não se tem ainda delimitado o impacto prático dessa redução de custas na ocorrência da resolução autocompositiva das demandas, contudo, não temos dúvidas de que irá atingir seu objetivo, e tanto acreditamos que já foi divulgada a iniciativa entre os demais membros de Nupemec, tendo havido uma grande aceitação, já se acolhendo de pronto pelo Nupemec do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte a sua discussão, e quem sabe também se terá no futuro uma lei nesse sentido.
O público-alvo dessa proposta são as empresas que não possuem legitimidade para demandarem nos juizados, onde a isenção de custas já é prevista, ou demandas promovidas por pessoas físicas não isentas.
Sendo possível a concessão do benefício para todas as demandas que versem sobre direitos disponíveis ou sobre direitos indisponíveis que admitam a transação (artigo 3º, da Lei 13.140/2015), não há óbice, diante do que estabelece o artigo 190 do CPC, que se admita a tentativa de conciliação em processos cujo rito não a preveja como ato antecedente à contestação, como previsto no artigo 334 do CPC, mas que tem se revelado melhores meios de solução das demandas, como é o caso da monitória e execução, na qual os demandados, já em situação de inadimplência, podem chegar a melhores entendimentos com dispêndio de menos recursos. Nesses casos, sabemos que a discussão sobre o direito em si é exceção em relação à certeza do débito, logo objetivamente temos um grande incentivo.
A proposta vem sendo analisada por instituições de ensino particular, que estudam alterações de seus contratos de prestação de serviços para inserir cláusulas sobre a possibilidade de buscar uma composição para eventual demandas de satisfação de crédito não adimplido.
Quanto ao procedimento, temos que o pedido de redução de custa é apresentado junto com a inicial, indicando de pronto a parte o desejo de buscar a resolução da demanda pela via consensual, devendo a parte, no momento do preenchimento do formulário, indicar a condição especial de redução.
Uma vez recebida a petição na secretaria da vara, deverá ser agendada uma audiência, observando a pauta do Centro Judiciário de Solução de Conflito e Cidadania que atue nos processos judiciais, competindo à secretaria a expedição da citação para comparecimento da parte demandada para o ato, com a advertência sobre a pena de multa por ausência e prazo para contestação, em caso de não ocorrência de entendimento.
Na eventualidade de acordo firmado, mas não cumprido voluntariamente, a execução do mesmo exigirá o recolhimento das custas na forma da lei, sem qualquer redução.
Caso a conciliação seja inviabilizada, o conciliador/mediador fará constar no termo de audiência que o autor deverá complementar as custas para o regular andamento do processo, que passa a ter seu prosseguimento regular, e, se não o fizer, o processo será extinto sem apreciação do mérito, e, acaso novamente intentado, teremos o pagamento integral e nova possibilidade de consenso.
A cultura do consenso tem por expectativa trazer para a sociedade uma nova postura de maior solidariedade, na perspectiva apenas econômica ou por vantagens técnicas, registrando-se que temos outras, que não serão objetos desse texto.
Em perfeita análise do impacto social sobre os meios adequados de conflitos, Daniela Amaral e Adriana Maillart[5] reconhecem nesses mecanismos um instrumento de solidez das relações interpessoais, com a reconstrução de laços e valorização do respeito mútuo entre as partes, concluindo com a observação de que o escopo da autocomposição é a harmonização das relações entre os indivíduos, promovendo uma Justiça reparadora.
Contudo, até que essa cultura se veja suficientemente solidificada, a implantação de uma política de tratamento adequado de conflito, que tenta inverter a ordem cultural da delegação do tratamento de controvérsias por terceiro para dar ao envolvido o papel de ser sujeito ativo da defesa de seus interesses, necessita de receptividade e acolhimento, devendo revelar, além de seus ganhos intrínsecos, atraente o bastante para mobilizar os usuários do sistema de Justiça a usá-lo, pois fica patente que nessa política o poder será das próprias partes.
Aqui, restringimos o tema ao universo econômico como indutor da experiência desses meios de solução de conflitos, cujos resultados esperados vão ao encontro de um melhor uso desses recursos, não mais se ocupando as estruturas do poder público, mas, sim, aprimorando os ambientes privados que se encontram aptos a prestar esses serviços, deixando o Judiciário livre para as demandas que só ele pode dirimir.
E tanto é verdade que talvez uma das tarefas mais hercúleas dos presidentes e coordenadores de Nupemec de todo o país — e falamos por experiências próprias — será conscientizar as empresas que, olhando o processo sob o crivo da política consensual imposta pela lei, poderão reduzir de modo significativo o custo total do mesmo, ou até evitá-lo, e, com isso, aumentar o seu percentual de lucro, já que sabemos que toda empresa precisa ter superávit, e, quando se perde dentro de um processo na via tradicional, o custo global dessa perda muitas vezes torna o litígio um negócio ruim ou, no mínimo, diminui a sua margem de lucro.
Portanto, a conversa franca e aberta com os maiores litigantes do país afora o próprio Estado tem demonstrado a eficácia do argumento, e estamos vendo várias empresas se renderem e mudarem radicalmente o modo de se contrapor ao pedido dos consumidores, obtendo, por conseguinte, uma maior satisfação dos mesmos em todos os sentidos e ainda reduzindo seu custo, ampliando automaticamente o seu lucro.
Dessa forma, finalizamos este pequeno texto chamando a atenção, não só dos que operam com o Direito, mas de toda a sociedade, de que investir na política do consenso é investir em seus próprios escopos, pois tal política foi e é pensada das partes para as próprias partes, ficando a própria Justiça em segundo plano.
Por José Herval Sampaio Junior, juiz de Direito e coordenador do Nupemec do TJ-RN. E Alexandre Abreu, juiz de Direito e coordenador do Nupemec do TJ-MA.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 12 de abril de 2017, 6h49
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