Contratos são instrumentos construídos para convergir interesses e evitar o surgimento de controvérsias, atenuando os riscos para as partes contratantes. O contrato é um verdadeiro esforço de antecipar a tratativa do conflito futuro. A solução de controvérsias no contrato, desta forma, é praticamente uma tautologia, dado que o contrato, em si, já foi criado para resolver os antagonismos entre as partes. O contrato é, a um só tempo, empenho para disciplinar os conflitos e, também, fonte de controvérsias: situações imprevisíveis e obrigações errôneas podem advir de sua execução. Entretanto, por mais bem redigido que um contrato seja, antecipando eventuais divergências, é inconcebível que ele preveja todo e qualquer desacordo que surja durante sua execução.
Esta dinâmica também se aplica aos contratos administrativos, mas com uma importante diferença: por definição, o contrato administrativo carece de uma falta de simetria na disposição das normas, por ser um contrato unilateral – assim, a chance de existirem situações futuras não previstas em suas cláusulas é maior.
A única parte que se dedica à elaboração do contrato – o Estado – possui, em regra, pouca preocupação em disciplinar as controvérsias. E por quais motivos isso ocorre? Porque pode a Administração inovar no contrato, unilateralmente, por autorização legal. Não há incentivos para o Poder Público exaurir as possibilidades de divergências do contrato, pois pode alterar as cláusulas quando assim julgar conveniente.
Em vista dessas particularidades do contrato administrativo, a previsão de um mecanismo de solução de controvérsias aumenta em importância. A efetividade das obrigações pactuadas depende de bons mecanismos de solução de controvérsias. Nada vale dizer que o contrato deve ter um forte elemento de pacta sunt servanda se uma das partes não é submetida às penalidades cabíveis quando do inadimplemento contratual.
O desenvolvimento de mecanismos de solução de controvérsias em contratos públicos é necessário exatamente para a Administração Pública. A ausência de ferramentas céleres e seu bloqueio de decisões é fonte de corrupção (o particular que, sabendo da inércia decisória da Administração, oferece benefícios ao agente público em troca de uma decisão célere e favorável; ou o agente público que, ciente também da necessidade do particular em obter uma resposta rápida, o aborda em busca de benefícios). Quando o contrato não prevê soluções e o Judiciário é leniente com a morosidade das decisões, aumentam-se tais riscos.
O Judiciário, por sua vez, possui uma quantidade absurda de demandas: seu tempo decisório – e de execução, por meio dos precatórios – é muito longo para os contratos administrativos. O tempo na obrigação contratual é elemento fundamental no contrato administrativo. As obrigações somente são devidamente consagradas quando prestadas a tempo e modo. No mundo público, a passagem do tempo torna tudo mais inviável.
Frente a esses desafios na solução de controvérsias em contratos públicos, surge a figura da arbitragem. Pode-se citar algumas vantagens imediatas do procedimento arbitral para os contratos públicos.
A arbitragem é um processo efetivo – muito se fala de sua celeridade, mas, em verdade, o grande trunfo da arbitragem está em ser efetiva, impondo decisões não passíveis de recurso.
Ademais, a arbitragem proporciona um maior escrutínio da matéria em questão por parte dos árbitros. Esta possibilidade de apreciação mais aprofundada da matéria não se dá somente pela maior expertise que os árbitros normalmente possuem no tópico em discussão, mas também pelo maior tempo que eles dispõem para exame do litígio. Sem a pressão do acúmulo de processos e de metas a serem cumpridas, o árbitro consegue se dedicar melhor ao julgamento da questão trazida pelas partes.
Mesmo em vista desses benefícios, a utilização da arbitragem no setor público ainda é dificultada por alguns obstáculos. Não é incomum que o Tribunal de Contas da União vede a inserção de cláusulas arbitrais nos contratos celebrados no âmbito federal – também não é raro que os argumentos contra a arbitragem orbitem em torno da indisponibilidade do sacrossanto interesse público. Ainda, outros óbices como a forma de escolha das câmaras arbitrais e dos próprios árbitros (haveria necessidade de licitação?) são também levantados como eventuais obstáculos ao uso da arbitragem pela Administração Pública.
Importante passo para a superação das desconfianças sobre a arbitragem no setor público foi dado com a Lei n. 13.129/2015, a qual operou reformas na Lei n. 9.307/1996 – Lei Brasileira de Arbitragem. Com a reforma, passou a constar, expressamente, na Lei de Arbitragem que “a autoridade ou o órgão competente da administração pública direta para a celebração de convenção de arbitragem é a mesma para a realização de acordos ou transações”.
Recentemente, novo avanço ocorreu. A edição da Medida Provisória n. 752/2016, em 24 de novembro de 2016, traz a clara possibilidade de utilização da arbitragem nas controvérsias que surjam nos contratos de parceria nos setores abarcados pelo texto da MP.
Segundo o art. 25 da MP, podem ser submetidas à arbitragem as controvérsias surgidas após decisão definitiva da autoridade competente, referentes a disputas que versem sobre direitos patrimoniais disponíveis. De acordo com a exposição de motivos da MP, esta inserção explícita da possibilidade de arbitragem representa um avanço regulatório nos setores ferroviário, aeroportuário e rodoviário.
É a respectiva agência reguladora a autoridade competente para celebrar o compromisso arbitral. O §1º do art. 25 da MP prevê a possibilidade de aditamento dos contratos em vigência, para que passem a vigorar com cláusula arbitral. O §2º traz disposição acerca das custas do procedimento: devem todos os valores serem adiantados pelo parceiro privado, sendo restituídos de acordo com decisão do tribunal arbitral. Ainda, o §3º prevê que o procedimento deve ser conduzido obrigatoriamente em português e realizado no Brasil.
Os parágrafos seguintes trazem disposições importantes.
O §4º se ocupa de definir quais seriam os direitos patrimoniais disponíveis passíveis de apreciação pelo juízo arbitral: (i) questões relacionadas ao equilíbrio econômico-financeiro dos contratos; (ii) cálculo de indenizações referentes à extinção ou transferência do contrato de concessão; e, (iii) o inadimplemento de obrigações contratuais por qualquer uma das partes.
Importante notar que o item (iii) abarca também as obrigações que resultem de sanções pecuniárias impostas ao particular pelo Poder Público. Entretanto, deve-se observar que não ocorre, de maneira alguma, a usurpação da competência de aplicação de sanção administrativa: a prerrogativa da Administração Pública não é discutida. O exercício da autoridade não é arbitrável, mas sim os valores envolvidos ou mesmo a validade do ato administrativo. Poderia o tribunal arbitral, por exemplo, emitir sentença declaratória de invalidade de ato emanado pela Autoridade competente.
O quinto e último parágrafo do art. 25 dispõe que “ato do Poder Executivo regulamentará o credenciamento de câmaras arbitrais para os fins desta Medida Provisória”. O credenciamento é sistema que convoca todos os interessados que, preenchendo os requisitos necessários, credenciem-se junto à Autoridade competente para prestar o serviço. Ainda, o credenciamento pressupõe a pluralidade de interessados, não sendo possível limitar o número exato de contratados – de forma que resta impossível estabelecer competição entre os interessados em contratar com a Administração Pública. Ora, sendo impossível a competição não há o que se falar de licitação, sendo esta inexigível (art. 25, Lei n. 8.666/93). Assim, a MP responde a uma das questões que dificultavam o uso da arbitragem em contratos públicos: o modo de escolha da câmara arbitral.
Sem dúvidas, a MP 752/2016 é mais um passo dado pelo Governo Federal em seu objetivo de melhorar o ambiente de contratações públicas no Brasil, atraindo mais investimentos para as obras de infraestrutura. Nesse cenário de contratos complexos, com obrigações de grande natureza técnica e multiplicidade de partes nacionais e estrangeiras, a possibilidade expressa de arbitragem representa grande avanço para o setor, elevando a segurança jurídica dos investimentos, principalmente das partes internacionais, que terão a seu dispor a possibilidade de discutir os litígios a partir de consagradas regras internacionais para resolução de disputas.
Por Bruno Polonio Renzetti – Advogado. Mestrando pela FGV Direito SP e graduado pela UFPR.
Fonte: Jota – 11 de Dezembro de 2016
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